quarta-feira, 7 de abril de 2010

LITERATURA BRASILEIRA

Sermão  do Mandato (1643), (*TECHOS*)

Os remédios do amor e o amor sem remédio são as quatro coisas, e uma só, de que prometi falar, porque, sendo a enfermidade do amor a que tirou a vida ao Autor da vida, não se pode mostrar que foi amor sem remédio, sem se dizer juntamente quais sejam os remédios do amor.

Ver imagem em tamanho grandeO primeiro remédio que dizíamos é o TEMPO. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. 
Estes são os poderes do tempo sobre o amor. (...) O amor perfeito, e que só merece o nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá as jurisdições do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem as eternidades o cansam
Que o amor que é verdadeiro tem obrigação de ser eterno, porque, se em algum tempo deixou de ser, nunca foi amor
O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi, porque se chegou a ter fim, nunca teve princípio. É como a eternidade, que se, por impossível, tivera fim, não teria sido eternidade.

Ver imagem em tamanho grande segundo remédio do amor é a AUSÊNCIA. Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado.
Estes costumam serem os efeitos da ausência, ainda nos corações mais finos. Ao perto e ao longe, ou presente ou ausente, sempre arde igualmente, porque sempre é fogo. Poderá ser tão distante a ausência, que o tire da vista; mas nenhuma tão poderosa, que lhe mude a natureza. Tal o amor de Cristo — Assim como o amor de Cristo não podia deixar de amar em nenhum tempo, porque é eterno, assim não pode deixar de amar em nenhum lugar ou distância, porque é amor. – O amor não é união de lugares, senão de vontades; se fora união de lugares, pudera-o desfazer a distância, mas como é união de vontades, não o pode esfriar a ausência. A ausência mais distante. Mas com a distância e a ausência serem tão excessivas, pôde a distância apartar os corpos, mas não pôde dividir os corações; pôde a ausência impedir a vista; mas não pôde esfriar o amor.

Ver imagem em tamanho grande terceiro remédio do amor é a INGRATIDÃO. Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.

NÃO HAVENDO APROVEITO ATÉ AGORA NEM O RÉMEDIO NATURAL DO TEMPO,NEM O ARTIFICIAL DA AUSÊNCIA,NEM O VIOLENTO DA INGRATIDÃO, ANTES, TENDO MOSTRADO A EXPERIÊNCIA QUE COM OS REMÉDIOS CRESCE A ENFERMIDADE,E COM OS CONTRÁRIO SE AUMENTA.

Ver imagem em tamanho grandeÉ pois o quarto e último remédio do amor, e com o qual ninguém deixou de sarar: o melhorar de objeto. Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. O mesmo lhe sucede ao amor, por grande e extremado que seja. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.
E se a melhoria do objeto é tão poderoso e eficaz remédio para mudar de amor, não digo eu quão poderoso seria, senão quão onipotente no nosso caso, em que a diferença ou a competência não era de homem a homem, senão de homens a Deus.
Os remédios, pois, do amor mais poderosos e eficazes que até agora tem descoberto a natureza, aprovado a experiência e receitado a arte, são estes quatro: o tempo, a ausência, a ingratidão, e, sobretudo, o melhorar de objeto. Todos temos nas palavras que tomei por tema, e tão expressos que não hão mister comento: Cum dilexisset, eis aí o tempo; suos qui erant in mundo, eis aí a ingratidão; ut transeat, eis aí a ausência; ex hoc mundo ad Patrem, eis aí a melhoria do objeto.

E com se aplicarem todos estes remédios à enfermidade, todos estes defensivos ao coração, e todos estes contrários ao amor do divino Amante, nem o TEMPO o DIMINUIU, nem a IMGRATIDÃO o ESFRIOU, nem a AUSÊNCIA o ENFRAQUECEU, nem a melhoria do OBJETO o mudou um ponto: In finem dilexit eos.

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